Empresas tem o dever de indenizar profissionais da saúde contaminados pelo Coronavírus

Diante da pandemia mundial da Covid-19, é assunto relevantíssimo a possibilidade de responsabilização das empresas em caso de contaminação de seus funcionários pelo coronavírus. Nesse sentido, é nosso sentido que os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, auxiliar de enfermagem, motoristas de ambulância, etc) devem ser indenizados quando sofrerem danos por esta contaminação.

O governo federal buscou afastar a responsabilização das empresa ao elaborar a MP 927/20. Esta medida provisória, em seu artigo 29, estabelecia que:

Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Contudo, em julgamento das Ações de Declaração de Inconstitucionalidade 6342, 6349 e 6354, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia do artigo 29. Os ministros entenderam que o afastamento da responsabilização do empregador em casos de COVID-19 feriria o valor social do trabalho, previsto constitucionalmente.

Apesar da suspensão do artigo 29 pelo STF, não são todas as contaminações por coronavírus em ambiente de trabalho que deverão ser indenizadas pelo empregador. Para analisarmos em quais casos haverá a responsabilização do trabalhador, a legislação que regula o acidente de trabalho deverá ser utilizada. A Lei 8213/91 prescreve que:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

A alínea d, do parágrafo primeiro do artigo 29, é a previsão que deve ser aplicada ao caso dos profissionais da saúde. Apesar de endemia e pandemia serem conceitos diversos, neste caso, por analogia, podemos aplicar esta norma. A alínea d afirma, taxativamente, que não será considerado doença do trabalho a doença endêmica adquirida por trabalhador. Portanto, em geral, o empregador não será responsabilizado quando seu funcionário foi contaminado pela Covid-19 no ambiente de trabalho.

No entanto, a alínea d prevê hipóteses de responsabilização do empregador quando a doença for “resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”. É exatamente esta a situação dos trabalhadores de saúde, sejam eles médicos, enfermeiros ou auxiliares de enfermagem. A atuação dos profissionais da saúde os expõe, naturalmente, a exposição ao coronavírus. A contaminação ao coronavírus é um risco inerente a atuação das empresas de saúde e, ocorrendo prejuízo aos empregados, o a empresa deverá ser responsabilizada.

Um agravante para a responsabilização dos empregadores é a falta do fornecimento dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos profissionais da saúde. O artigo 166 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que:

A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.

Portanto, sempre que as empresas não fornecerem os equipamentos de proteção individual adequados (EPIs), sua responsabilidade é agravada e maior deverão ser as indenizações fixadas. Infelizmente, neste momento de pandemia, são grandes os relatos de trabalhadores da saúde sem os EPIs adequados. Nestes casos, tanto a administração pública, se hospital público, quanto as empresas privadas serão responsabilizados pelos danos causados.

Importante ressaltar que não é mera contaminação por Covid-19 que acarretará o dever da empresa em indenizar os profissionais da saúde. Não basta a contaminação por coronavírus; o dever de indenização surge quanto o funcionário sofre danos devido a contaminação. Portanto, para surgir o dever de indenizar, não basta a contaminação leve de COVID-19. O direito a indenização contra o empregador surge quando ocorrem graves consequências como a internação em UTI, sequelas permanentes ao funcionário ou a morte.

Diante disso, é essencial que os empresários do ramo da saúde cumpram com todas as normas técnicas de segurança aplicáveis para amenizar a sua responsabilização. Devem ser fornecidos todos os equipamentos de proteção individual (EPIs) para os trabalhadores (médicos, enfermeiros, auxiliar de enfermagem, motoristas de ambulância, etc). Ademais, ressalta-se a necessidade das empresas documentarem todas as medidas de segurança e higiene do trabalho adotadas, bem como com relação à fiscalização da observância dessas práticas. Estes documentos serão muito úteis para, num processo judicial, amenizarem o dever de indenizar.

Portanto, diante da legislação atual e da suspensão do artigo 29 da Medida Provisória 927/20, as empresas possuem o dever de indenizar os profissionais de saúde que forem contaminados por Covid-19. A indenização apenas será devida em casos de graves consequências, como a morte ou período de grande internação. Ademais, a responsabilização das empresas é agravada no caso do não fornecimento de EPIs. Recomenda-se, então, que as empresas de saúde cumpram a legislação de EPI e documentem sua aplicação.

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